| Em 22/11/2024

Com apoio da FAPEMIG, nasce o Centro de Excelência do Semiárido

Projeção da fachada do Laboratório de Modelagem Computacional e Sistemas (LaMCos), que fará parte do Centro. (Imagem: Unimontes)

A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) vai investir R$20 milhões na implementação do Centro de Excelência do Semiárido – o Sertão – que será desenvolvido pela Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), em Montes Claros, nos próximos cinco anos.

O Centro vai usar a Inteligência Artificial (IA) e a e Internet das Coisas (IoT) para potencializar o desenvolvimento de pesquisas voltadas para o combate aos impactos das mudanças climáticas e as desigualdades sociais do Norte de Minas. A ideia é desenvolver conhecimento, serviços, tecnologias e recursos humanos que gerem impactos ambiental, econômico e social na região do semiárido nas áreas de Bioeconomia, Agroeconomia e Biodiversidade.

Para o presidente da FAPEMIG, Carlos Arruda, esse é um projeto fundamental para impulsionar o desenvolvimento econômico e social da região. “A nossa intenção é apoiar e reunir professores e pesquisadores especialistas para desenvolver projetos de pesquisas e estudos envolvendo várias áreas do conhecimento. O objetivo é que tenhamos uma capacidade diferenciada de geração de informações com o potencial de aplicação e o desenvolvimento de produtos, processos e startups”, afirmou.

Para a pró-reitora de pesquisa da Universidade, Maria das Dores Magalhães Veloso, a ideia do Centro surgiu a partir de uma feliz provocação da FAPEMIG. “Fomos estimulados a pensar nas áreas de excelência que já temos na Universidade, nas pesquisas de ponta já desenvolvidas e naquelas que ainda estão em desenvolvimento. Também pensamos nos grupos de pesquisas interinstitucionais e percebemos que esse Centro será uma grande oportunidade para a agregação de nossas competências e para a atração de parcerias públicas e privadas para os nossos pesquisadores, para a partir daí promover o desenvolvimento regional através da aplicação das pesquisas realizadas na Unimontes”, disse.

Atualmente, a Unimontes tem 262 projetos de pesquisa em andamento e 57 grupos de pesquisa, totalizado cerca de 500 pesquisadores. São 19 programas de pós-graduação Stricto sensu (19 mestrados e seis doutorados), com 923 alunos matriculados, e 400 alunos nos cursos de pós-graduação Lato sensu.

Semiárido Mineiro

Para dimensionar o impacto que o Centro de Excelência do Semiárido trará para Minas Gerais, é importante compreender a complexidade desse território, que também é conhecido como o sertão mineiro. Dos 853 municípios de Minas, 209 estão localizados na região de semiárido, de acordo com relatório técnico produzido pela Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) em 2022, que revisou os municípios que integram a Região. O estudo foi desenvolvido por 11 entidades (ANA, Inpe/MCTI, Inmet/Mapa, MIDR, MMA, Dnocs, Codevasf, Ibama, BNB, Insa/MCTI, IBGE), além da Sudene, e considerou critérios técnicos-científicos relacionados à precipitação pluviométrica, ao índice de aridez e ao percentual diário de déficit hídrico dos municípios.

A região é conhecida por suas riquezas naturais, culturais e pela agropecuária forte, essa última concentrada principalmente nos municípios de Montes Claros, Janaúba, Salinas, Januária, Jaíba, Pirapora, Bocaiúva e Grão Mogol. Por outro lado, a região também lida com o desafio de abrigar os municípios com os indicadores socioeconômicos mais baixos do território mineiro. 

Para o professor do Departamento de Ciência da Computação da Unimontes e coordenador do Centro, Allysson Steve Mota Lacerda, este será o principal desafio para o Centro. “O nosso objetivo é realizar pesquisas aplicadas que resolvam problemas reais da população do semiárido e promovam o desenvolvimento econômico da região. Para isso, vamos atuar de forma conjunta, buscando parcerias com empresas, órgãos públicos e outras entidades”, destacou.

Ainda segundo Lacerda, as potencialidades do Centro incluem o desenvolvimento de ferramentas de apoio à criação de políticas públicas, monitoramento de áreas degradadas ou a agricultura de precisão, todos a partir da aquisição, do tratamento e da disponibilização de dados reais.

Pesquisadores participam de pesquisa para preservação das Veredas. (Foto: PELD/Veredas / Unimontes)

De acordo com o professor Marcos Esdras Leite, o semiárido mineiro, caracterizado por condições climáticas extremas e vulnerabilidade socioeconômica, enfrenta desafios, em função das mudanças climáticas, que são potencializadas em função das alterações no uso da terra. Nesse cenário, o Centro de Excelência Sertão visa investigar as interações entre esses fatores, avaliando como as transformações no uso da terra (como desmatamento, agropecuária e urbanização) influenciam nas mudanças climáticas. “Esse monitoramento será realizado usando imagens de satélites e banco de dados geográficos integrados em ambiente de Sistema de Informação Geográfica. Dessa maneira, será possível identificar os pontos de maior degradação e fragilidade ambiental, bem como gerar cenários futuros de uso da terra. Portanto, o Centro Sertão terá papel fundamental no monitoramento ambiental do semiárido mineiro”, afirma o professor.

Pela vida das veredas

Além de mudar as características do Cerrado, da Caatinga e da Mata Atlântica – biomas presentes na região do semiárido mineiro – as alterações do clima também estão ameaçando as veredas, importante formação vegetal localizada nas proximidades das nascentes e que funcionam como vias de drenagem, contribuindo para a perenidade e regularidade dos cursos d’água. Elas são caracterizadas pela presença de palmeiras, principalmente do Buriti, e pelos solos hidromórficos que, em condições naturais, se encharcam de água que são liberadas ao longo do tempo. 

As veredas têm funções importantes na bacia do Rio São Francisco, e, por isso, são declaradas de interesse comum e precisam ser preservadas. Com o intuito de investigar esses impactos, a bióloga e professora do Departamento de Biologia Geral e do Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia da Unimontes, Yule Roberta Ferreira Nunes, mantém o projeto de longa duração Colapso das Veredas no Sertão Mineiro: Efeitos Antrópicos Locais e Mudanças Climáticas Globais. 

Embora o nome da pesquisa seja poético, inspirado na obra do consagrado escritor mineiro João Guimarães Rosa, a pesquisadora alerta que o termo “colapso” merece a atenção de toda a sociedade, porque é exatamente isso que está acontecendo com as veredas do Norte de Minas. “As veredas são como caminhos que acompanham o curso d’água, como falava Guimarães Rosa, e eles são permeados de vegetação, pássaros, tipos de peixes, famílias que tiram dessas águas o seu sustento. O que temos observado, sobretudo na região do Vale do Peruaçu e próxima ao Rio Pandeiros, nos municípios de Januária e Bonito de Minas, é o secamento dessas regiões”, constata a pesquisadora.

Como a questão envolve diversos atores do ecossistema, o projeto conseguiu, ao longo de dez anos, reunir muitas frentes de trabalho, que serão potencializadas com a implantação do Centro de Excelência do Semiárido. Além de contemplar a parte da vegetação, também leva em conta a interação com a parte hídrica climatológica, com os pássaros, insetos, mamíferos, especialmente o macaco, que permite uma investigação também acerca das doenças silvestres das populações que estão próximas às veredas, sendo um importante indicador de saúde pública.

A pesquisa segue em busca de entender essas mudanças ao longo do tempo por meio do acompanhamento de três veredas em estágios temporais diferentes (uma já seca, outra que começou a secar e uma preservada), para, assim, conseguir prever o que vai acontecer. “Estamos percebendo que, conforme vai caindo o limite para a entrada de cerrado nessas vegetações, o volume de água é reduzido e vai mudando completamente aquele ambiente.  Dessa forma, existe um comprometimento ao longo do tempo e isso causa problemas também com as populações humanas, compostas por povos originários, quilombolas e veredeiros, populações tradicionais que vivem das veredas. Assim, se o volume de águas continuar caindo, vamos perder nascentes, reduzir o volume dos rios e o processo de desertificação pode ser mais rápido, impactando ainda mais o clima da região”, atesta a pesquisadora.

A colaboração e a interdisciplinaridade aparecem como ferramentas fundamentais para o estudo das veredas do Norte de Minas. O grupo de trabalho constituído por pesquisadores da Unimontes, conta também com diversas contribuições da Universidade Federal de Lavras (UFLA), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade de Viçosa (UFV), Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) e do Instituto Federal do Norte de Minas Gerais (IFNMG).

Biocombustível de macaúba

A cooperação também é a chave para outra importante iniciativa desenvolvida pelo engenheiro agrônomo e professor do Departamento de Biologia Geral Unimontes, Leonardo Monteiro Ribeiro, a partir do fruto de outro tipo de palmeira regional, a macaúba. Só que dessa vez, a parceria é com uma empresa privada, a Acelen Renováveis. A organização faz parte do fundo Mubadala Capital, dos Emirados Árabes Unidos, e vai usar tecnologia desenvolvida pela Unimontes para a germinação de sementes da macaúba, no Centro de Inovação e Tecnologia Agroindustrial que o grupo vai instalar no município. 

A empresa vai investir R$ 125 milhões no projeto em Montes Claros, que vai produzir dois tipos de biocombustíveis a partir do óleo do coco de macaúba: o biodiesel renovável, conhecido como diesel verde (HVO) e que pode ser usado em automóveis de pequeno porte, e o Combustível Sustentável da Aviação (SAF), indicado para a indústria aeronáutica.

Leonardo Ribeiro explica que a macaúba é abundante na região e é reconhecida por sua grande quantidade de óleo, chegando a produzir dez vezes mais que o óleo de soja, que é a planta mais usada no Brasil para esse fim. “Essas características fazem com que ela seja muito estudada para a utilização agroindustrial visando à produção de biocombustíveis. Outra vantagem é que, em regiões mais secas como a nossa, ela também é usada para recuperação de áreas degradadas ou que estão sendo subutilizadas”, acrescenta o pesquisador.

As pesquisas com a macaúba já renderam o depósito de três patentes na Unimontes. Uma delas foi a que gerou a transferência de tecnologia para a Acelen Renováveis, originada da dissertação de mestrado da aluna Vanessa Sales e desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia da universidade. O acordo prevê o desenvolvimento da Tecnologia para superação da dormência seminal em macaúba, que tem como objetivo a aplicação em escala industrial dos protocolos de germinação existentes e o desenvolvimento de novas tecnologias para otimizar a germinação da espécie, uma vez que a semente tem dificuldade para germinar, o que é conhecido como dormência.

O pesquisador explica, ainda, o amplo potencial da macaúba, que praticamente pode ser toda aproveitada por diferentes indústrias. Além da indústria de combustíveis, ela é usada na alimentação, na cosmética e na produção de carvão, por exemplo. “Conseguimos aproveitar das folhas ao bagaço. As palmeiras estão entre as plantas mais produtivas que se conhece. Além disso, são perenes, vivem mais de 50 anos. Podemos utilizá-las por décadas, o que amplia as possibilidades de uso em diferentes cadeias”, afirma. O pesquisador acrescenta que, quando se faz o melhoramento genético das plantas e possibilita a seleção das mais produtivas, a partir de cruzamentos e outras técnicas, isso amplia ainda mais a perspectiva.

Percebendo o alto grau de vantagens da espécie, empresas estrangeiras, da Espanha e da Alemanha, já estão investindo na produção brasileira. “A iniciativa alemã investe na maior produção aqui da região, com cerca de dois mil hectares. Também é urgente despertar o interesse de pesquisadores, empreendedores e do Estado para ampliar investimentos e ousar inovar na cadeia da macaúba aqui na região”, acredita Leonardo Ribeiro.

Potencialidades das Gerais ampliadas pela IA

O Centro de Excelência do Semiárido terá a IA e a IoT como tecnologias fundamentais. Para isso, contará com a experiência de pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Modelagem Computacional e Sistemas – PPGMCS, como o professor do Departamento de Ciência da Computação da Unimontes, Marcos Flávio Silveira Vasconcelos D’Angelo. Com 25 anos de atuação na área de IA, já desenvolveu projetos em parceria com diversas empresas, como Cemig e Petrobrás. Sua mais recente parceria, com a empresa Saga Tec, vai possibilitar o desenvolvimento de uma tecnologia que nasceu na Unimontes. São equipamentos de telemetria, usados principalmente para mediação de água, que fazem leitura automatizada de milhares de hidrômetros, gerenciam a conta e enviam as informações para a empresa de saneamento. “Com essa parceria, vamos conseguir construir e equipar o LaMCoS – Laboratório de Modelagem Computacional e Sistemas, que fará parte do Centro. A ideia é fazer pesquisa básica, aplicada e incentivar a inovação com a ajuda desse laboratório”, afirma.

Outra iniciativa importante é a parceria com a Petrobras Biocombustível (PBIO) que prevê tanto a capacitação de seus funcionários em nível de mestrado e doutorado quanto o desenvolvimento de projetos para otimização da cadeia de produção do biodiesel. Para o coordenador do Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia e integrante do projeto, Dario Alves Oliveira, a parceria com a PBIO reforça o papel da Unimontes como agente transformador regional, para além do ensino. “É uma forma de promover o desenvolvimento econômico do semiárido mineiro e ainda contribuir para o aumento da utilização de energia limpa”, destacou.

Próximos cinco anos

A ideia é que, até 2030, o Sertão seja reconhecido como o principal centro de excelência em semiárido no Brasil. Para isso, nos próximos cinco anos, ele buscará fomentar a criação de  empresas, a realização de workshops regional, nacional e internacional sobre o semiárido, além da consolidação de  parcerias estratégicas e se posicionando como a principal referência em semiárido em âmbito nacional.

Fonte: FAPEMIG (Por: Vivian Teixeira/ Ascom Fapemig)

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