| Em 17/04/2025

Startup brasileira reaproveita rejeitos de mineração no armazenamento de energia

Empresa desenvolveu com apoio do PIPE-FAPESP processo para transformar subprodutos em materiais de alta tecnologia para baterias (imagem: divulgação/Teiú)

Transição energética é um tema atual e urgente. Se for somado ao reaproveitamento de rejeitos de mineração, de forma a agregar valor à cadeia produtiva nacional e oferecer uma solução mais eficiente e sustentável, é ainda melhor. E é isso que a Teiú Energia, fundada por dois pesquisadores brasileiros, está desenvolvendo: materiais com esses subprodutos para armazenamento de energia.

A startup surgiu durante o doutorado dos fundadores – ambos pesquisam o armazenamento de energia. Eles perceberam que, durante a mineração do nióbio e do vanádio no Brasil, grandes quantidades de óxido de ferro e titânio eram descartadas como rejeito. O material, armazenado em pilhas secas, é depois vendido a preços muito baixos (cerca de US$ 16 por tonelada) para enriquecer minério de ferro.

Os pesquisadores, então, desenvolveram um processo para transformar esses subprodutos em materiais de alta tecnologia para baterias – o que reduz o impacto ambiental de toda a cadeia produtiva. Os resíduos são combinados com nióbio e vanádio, elementos que existem abundantemente no Brasil e são considerados estratégicos para o armazenamento de energia. “Um material beneficiado para bateria atinge preços de US$ 10 mil a US$ 20 mil por tonelada”, compara João Victor Bonaldo, cofundador da startup. Ou seja, agrega-se valor ao que antes eram apenas resíduos.

O diferencial da tecnologia desenvolvida pela startup é o equilíbrio entre densidade de potência e densidade de energia. Isso permite uma gama maior de aplicações: de veículos elétricos a sistemas de armazenamento estacionário. Além disso, ao utilizar rejeitos extraídos na mineração, a solução reduz significativamente o impacto ambiental. “Na mineração de nióbio, por exemplo, para cada quilo do metal é produzida uma tonelada de ferro.”

O uso do nióbio nas baterias oferece vantagens. “Ele permite carga rápida, aumenta a estabilidade da célula, aumenta a densidade de energia, é mais seguro do que o grafite porque é mais puro e oferece a possibilidade de criar uma infinidade de materiais”, conta Bonaldo.

A tecnologia nacional promete, ainda, reduzir significativamente o custo do armazenamento de energia. “Embora o material tenha custo de produção semelhante, ela permite dobrar a eficiência da bateria”, destaca. “Então, o custo de energia, que seria o watt por dólar, cai pela metade.”

Para o consumidor final, isso representa economia e melhor desempenho. “As baterias com nióbio atingem carga completa mais rapidamente. Alguns resultados mostram que é possível atingir a carga total em 5 minutos – atualmente, são necessários 30 minutos”, compara.

Paralelamente, como a tecnologia permite maior densidade energética, os veículos elétricos podem ficar mais leves e, assim, ganhar mais autonomia. “A bateria é como o coração da transição energética. Qualquer melhoria nela atinge todos os outros elos do ecossistema.”

Parcerias estratégicas

A Teiú Energia desenvolveu as ideias iniciais dos materiais durante participação no programa Catalisa ICT do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Depois, conquistou apoio do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP, e executou as provas de conceito dos materiais e seu desempenho – ainda em escala de bancada para determinar como esses materiais se comportariam em uma célula.

Atualmente, a startup atua na criação dos ânodos e dos cátodos com os materiais desenvolvidos e na montagem de células para testes. Paralelamente, integra um esforço global para a criação de uma cadeia de suprimentos de íons de lítio, do qual participam empresas como Petrobras e WEG. “Além disso, participamos de uma incubação cruzada na África do Sul. O objetivo era muito parecido com o nosso: promover uma cadeia de mineração”, conta.

O nome da empresa foi inspirado em um lagarto que existe em toda a América Latina e simboliza a visão dos fundadores sobre a necessidade de integração dos países latino-americanos para escapar do neocolonialismo tecnológico. “A gente acredita que essa etapa de transição energética é a única forma de escaparmos de um neocolonialismo”, destaca. “Essa é a nossa última oportunidade e ela só vai acontecer se a gente se unir enquanto América Latina, porque aqui temos todos os recursos de que precisamos: cobre no Chile, nióbio e vanádio no Brasil e assim por diante.”

Perspectivas e próximos passos

Os materiais já estão em fase avançada de desenvolvimento e a empresa planeja começar a produzir as primeiras células botão (como as usadas em relógios e controles remotos) até o fim de 2025. Em 2026, pretende iniciar a pilotagem da produção tanto do ânodo quanto do cátodo para potencialmente entrar na indústria no início de 2027.

Para dar escala à produção, a Teiú Energia já se associa a mineradoras brasileiras. “A gente consegue cortar muitas etapas e elas estão bem abertas a esse processo”, descreve Bonaldo. “Nossa expectativa é que nossos materiais sejam aplicados na próxima geração de baterias, especialmente porque as características deles oferecem mais benefícios.”

A iniciativa da startup acompanha a tendência global em que diversos países buscam desenvolver suas próprias soluções para reduzir a dependência tecnológica. “Imaginamos que podemos democratizar o acesso a essas tecnologias renováveis e reduzir a dependência tecnológica do Sul global. A transição energética vai acontecer conforme a realidade de cada país.”

Essa necessidade de redução de dependência tem ocorrido em diferentes países. “Os EUA, por exemplo, buscam desenvolver um material baseado no petróleo para reduzir dependência”, aponta. “Já auxiliamos algumas empresas de lá que tentavam desenvolver grafite a partir de resíduos da lavra em vez de petróleo.”

Já a tendência de nacionalização de tecnologias de armazenamento de energia representa uma oportunidade para a empresa brasileira. “A gente atua entre quem minera e quem produz bateria. Como fazemos beneficiamento, podemos atender a todos esses mercados – principalmente nas Américas Latina e do Norte.”

Componentes essenciais para veículos elétricos e sistemas fotovoltaicos, as baterias ainda têm custo alto, o que dificulta a democratização dessas tecnologias. “Em um veículo elétrico, 75% do custo vem da bateria. Da mesma forma, adicionar armazenamento a um sistema fotovoltaico dobra o custo da instalação”, explica Bonaldo.

Atualmente, o mercado global de baterias é dominado pela China, que controla a produção de grafite – um dos elementos fundamentais para a fabricação do componente. “O mundo depende praticamente 100% da China para obter baterias. A China tem as duas maiores fábricas e, depois, a Coreia do Sul, com duas fábricas também.”

Paralelamente, a prospecção de cobalto (outro material essencial na composição das baterias) na África abusa da exploração de recursos humanos. O Brasil, por sua vez, não produz nenhum dos dois. “Por isso, essas tecnologias têm preço muito alto para nós. É preciso fazer que esse acesso seja realmente para todos, para que não fique muito estratificado.”

Essa concentração tecnológica e geopolítica torna os preços da tecnologia proibitivos para muitos mercados, especialmente em países em desenvolvimento. “Se o futuro tem de ser sustentável para todo o mundo, hoje ainda está longe de atingir essa meta”, critica Bonaldo. Além disso, o armazenamento de energia representa um dos maiores desafios para a transição energética.

Fonte: FAPESP (Por: Roseli Andrion | Pesquisa para Inovação/ Fapesp)

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