| Em 29/07/2024

Psicologia do esporte é aliada para alcançar ouro em grandes competições

Laboratório de Psicologia do Esporte (Lapes) da UFMG atende hoje atletas de modalidades distintas para o acompanhamento psicológico longitudinal. (Foto: Arquivo Pessoal Varley Costa)

Os Jogos Olímpicos de Paris 2024 começaram e além do entusiasmo pela participação brasileira nas competições, um outro assunto deve ser levado em consideração: a saúde mental dos atletas. Estudos internacionais recentes divulgados pela National Library of Medicine descrevem que transtornos psicológicos afetam atletas de alto rendimento tanto quanto a população geral. Exemplos dessa realidade são as ginastas Simone Biles e Rebeca Andrade que se destacaram nas Olimpíadas de Tóquio em 2020, a primeira por desistir da final geral da ginástica artística e priorizar sua saúde mental e a segunda, pelo alto controle emocional desenvolvido frente à competição.

Varley Costa, doutor em Psicologia do Esporte pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), professor associado do Departamento de Esportes, na Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Universidade e coordenador do Laboratório de Psicologia do Esporte  (Lapes), desenvolve, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), pesquisas e trabalhos na área a fim de compreender e expandir o conhecimento sobre o fator psicológico em atletas de elite de diferentes modalidades esportivas. 

Atletas de alto rendimento, participantes de competições de elite , como é o caso das Olimpíadas, segundo Varley Costa, necessitam de quatro pilares para sustentar a sua performance esportiva: o treinamento técnico, tático, físico e psicológico. A demanda psicológica, diante de parâmetros exigentes e altas expectativas sob um atleta olímpico ao representar o seu país nos jogos, podem impactar a performance durante a competição de curto prazo em que os olhos do mundo estão voltados para a performance de seus atletas.

Neste sentido, a psicologia do esporte, com técnicas cientificamente validadas, age de forma crucial na vida dos atletas. “Adotamos técnicas de relaxamento, concentração, mentalização, foco, autocontrole, gestão do estresse, ansiedade, medo, nervosismo, entre outras, de acordo com a modalidade que ele compete”, explica o pesquisador.

Treinamento personalizado

Há um nível de exigência muito alto para entregar um atendimento personalizado a cada atleta exigindo que o profissional entenda também do esporte no qual seu paciente pratica. “É necessário um atendimento personalizado às demandas e necessidades de cada atleta e o psicólogo esportivo precisa compreender com muita profundidade a modalidade e as suas demandas psicológicas em treinamento e competição”, completa.

Cada modalidade esportiva, e até mesmo dentro da mesma equipe, as competências psicológicas de cada jogador podem ser diferentes, o que torna o atendimento ainda mais personalizado. “Normalmente, dividimos o atendimento psicológico em três áreas. A parte emocional, relacionada ao estresse, a ansiedade, depressão, medo, raiva, entre outros. Aspectos cognitivos como atenção, percepção, antecipação, tomada de decisão (o que o atleta vai fazer no jogo) e aspectos comportamentais como competitividade, agressividade, liderança […], porém, como cada modalidade esportiva tem necessidades psicológicas diferentes, a função dos atletas também tende a diferenciar a demanda psicológica sobre eles. Como exemplo, as exigências psicológicas de um líbero no voleibol são totalmente distintas em relação a um levantador”, explica o pesquisador.

(Foto: Guduru Ajay/ Divulgação Pexels)

Preparação ao longo do tempo

Do mesmo modo em que os profissionais de alto rendimento treinam os demais pilares durante os anos que antecedem uma competição, por exemplo, quatro anos antes de uma Olimpíada, a preparação psicológica também deve estar alinhada. “A preparação psicológica é como a preparação física, você não vai a academia hoje e volta daqui um mês esperando ter algum ganho. Você tem que ir todo dia, se você quer melhorar seus níveis de força, seus níveis de velocidade, sua capacidade aeróbia. Então na preparação psicológica o atleta vem, aprende, testa, treina, volta, às vezes faz pequenos ajustes nas suas técnicas psicológicas, retorna e treina até automatizar e ele conseguir entrar em uma partida importante e conseguir performar com excelência do ponto de vista psicológico”, explica.

Este é o caso da Confederação Brasileira de Ginástica (CBG), que com o seu staff técnico de profissionais da seleção, apoiados pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COB)rendeu à Rebeca Andrade as condições necessárias para apresentar um desempenho físico, técnico, tático e psicológico de excelência durante as Olimpíadas de Tóquio em 2020. Apesar do resultado de Simone Biles ter sido diferente do observado com a atleta brasileira, Varley Costa explica que o mesmo sistema de acompanhamento psicológico aconteceu com ela por meio do Comitê Olímpico Norte-Americano e sua comissão técnica. Porém, como ele mesmo explica, cada atleta tem um nível de maturidade psicológica diferente. 

“Quando um atleta tem como meta ir para a Olimpíada, é necessário fazer uma periodização das capacidades psicológicas necessárias para uma ótima performance, este é um trabalho de longo prazo. Essa preparação começa quatro anos antes com ciclos anuais de treinamento psicológico e assim existe a maior probabilidade de obter algum sucesso”, destaca. O caso da atleta americana pode ser compreendido como uma crise psicológica denominada de twisties, que está associada a uma desconexão entre a mente o corpo da atleta e na ginástica artística este problema psicológico é ainda mais grave devido aos movimentos que a ginasta realiza no solo e no ar. 

“A Olimpíada é um momento de muito estresse em que podem ocorrer picos de estresse agudo. O atleta se prepara por quatro anos para que em 19 dias de jogos e que na verdade, dependendo de cada modalidade podem ser cinco, quatro ou um dia de competição, tudo se define”, explica Varley Costa. Em Olímpiadas, os comitês de cada país disponibilizam psicólogos do esporte durante os anos de preparação, no momento dos jogos e após a competição para cuidar da saúde mental dos atletas, tentando minimizar riscos de crises psicológicas e otimizar níveis de performance.

Para a competição de 2024, o Comitê Olímpico Brasileiro aumentou de quatro profissionais em 2020, para 10 psicólogos e psiquiatras do esporte para atender os atletas durante as competições. Ao todo, serão 276 brasileiros disputando 48 modalidades olímpicas dentro de uma realidade de mais de 10 mil atletas em que somente metade poderão levar alguma medalha para casa. Varley Costa destaca que esses cenários de sucesso e insucesso devem ser muito bem trabalhados para evitar grandes frustrações e atrapalhar a carreira e a vida pessoal dos atletas.

“Os atletas que estão nas Olimpíadas de 2024 já saíram de seus países deixando milhares de outros competidores nacionais para trás. Já são pessoas extremamente vitoriosas em suas modalidades esportivas. Eles fazem parte de uma elite nacional de cada país. O trabalho da psicologia do esporte é auxiliá-los na gestão de suas emoções, reações e comportamentos, administrar suas expectativas internas e cobranças externas. Todos os atletas sabem que estão representando uma nação, buscando a glória esportiva e que os olhos dos patrocinadores e telespectadores estão voltados para eles”, destaca o pesquisador. 

O acompanhamento psicológico longitudinal e os vários desafios enfrentados nas competições preparatórias (campeonatos nacionais, sul-americanos e mundiais) vão moldando e preparando o atleta para o momento máximo que é as Olímpiadas. Não existe preparação psicológica de última hora, é um trabalho diário e que exige disciplina e constância dos atletas. Só assim eles estarão mais próximos da probabilidade de conseguir atingir suas metas.

Equipe especializada

Pesquisas como as que são realizadas no Lapes são inovadoras no Brasil e ganharam maior visibilidade a partir de megaeventos esportivos realizados em solo nacional, como foi o caso da Copa do Mundo em 2014, Olimpíadas e Paraolimpíadas em 2016, que ampliou a discussão sobre o treinamento psicológico dos atletas e sua saúde mental. 

Recentemente os professores do Lapes foram convidados para colaborar com um capítulo de livro junto com outros pesquisadores internacionais sobre a Saúde Mental de Atletas Olímpicos e Paralímpicos Brasileiros para discutir sobre os jogos. Neste capítulo os docentes, que têm tradição em participar de competições de elite, buscaram sintetizar mais de 30 anos de pesquisas com atletas olímpicos e paralímpicos. “Acredito que dentro de um escopo de universidades nacionais sejamos o laboratório no Brasil que mais enviou professores em delegações brasileiras olímpicas e paraolímpicas do COB e do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB). Esse foi o caso dos professores Franco Noce, que participou das Paraolimpíadas de Atenas (2004), Pequim (2008) e Rio (2016), e do professor Dietmar Samulski, que foi aos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Sidney (2000), Atenas (2004) e Pequim (2008)”, destaca. 

Essa ampla participação permite que tenhamos acesso aos principais atletas de elite brasileiros, sendo uma oportunidade de desenvolver pesquisas que busquem contribuir com o conhecimento científico da psicologia do esporte no Brasil”, informa. Cabe dizer que apesar do recente incentivo financeiro e de pesquisa na área, os transtornos psicológicos sempre foram sentidos, mas colocados como sinônimo de fraqueza e atletas geralmente são inspirações de força e resiliência. Resultado disso é que cerca de 30% dos atletas no mundo sofrem de alguma doença mental, desde depressão a casos mais graves, de acordo com pesquisa da Unicamp e FondaMental. 

Atualmente o COB possui acompanhamento de todos os atletas e o próprio Lapes, segundo Varley Costa, já atendeu mais de 20 mil atletas em 35 anos de existência. Dentro dessa dinâmica, o desenvolvimento do conhecimento e a geração de inovações dentro da psicologia do esporte levou o COB, em 2024, a investir cerca de R$ 52 milhões em projeto de saúde mental para auxiliar os atletas em Paris. A quantidade de profissionais na comissão também se equipara aos grandes comitês, como é o caso dos Estado Unidos que contarão com 14 profissionais, tudo isso para garantir a saúde mental dos atletas e treinadores, além da máxima performance esportiva em busca das medalhas olímpicas.

Fonte: FAPEMIG (Por: Bárbara Teixeira/ Ascom Fapemig)

Agência de Notícias do CONFAP

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