| Em 06/11/2024

A importância e os desafios da restauração dos campos rupestres

Vegetação típica das montanhas de Minas Gerais, os campos rupestres são ameaçados pela mineração, queimadas e mudanças climáticas (Créditos: Laboratório de Ecofisiologia Vegetal da Ufop)

Os campos rupestres ocupam menos de 1% do território brasileiro, mas abrigam uma riqueza surpreendente: mais de 15% da diversidade da flora do país, de acordo com a pesquisadora Alessandra Kozovits, professora da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Minas Gerais é um dos estados onde esse ecossistema é recorrente, especialmente os campos rupestres quartzíticos e os ferruginosos, característicos do topo de serras e montanhas, como é o caso da Serra do Cipó, do Caraça e da Canastra, pontos turísticos muito apreciados pelos mineiros.

A riqueza da sua biodiversidade ainda sustenta e abrilhanta a paisagem desses locais com um artifício muito importante: “os campos rupestres funcionam como áreas importantes de recarga de aquíferos que dão origem a rios e suas cachoeiras e abastecem parte das demandas de água das cidades. Quando a vegetação é removida, o sistema de infiltração da água e de captação de nutrientes fica comprometido, afetando o abastecimento das populações humanas e de outras formas de vida”, explica Alessandra Kozovits.

Apesar da sua importância, um trabalho apresentado pela Universidade Federal de Uberlândia (Ufu) destaca que das 538 espécies de plantas ameaçadas em Minas Gerais, 67%, ou 351 espécies, são típicas dos campos rupestres. Isso acontece devido a ameaças crescentes de degradação pela mineração e queimadas frequentes, além de outros desafios impostos pelas mudanças climáticas. 

Na linha de frente pela conservação e restauração dessas formações vegetais, a professora Alessandra Kozovits, coordenadora do Laboratório de Ecofisiologia Vegetal da Ufop, lidera um estudo com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) focado na restauração dos campos rupestres após a mineração com gramíneas endêmicas do ecossistema. O objetivo é encontrar maneiras de recuperar esses ambientes críticos levando em conta características encontradas nos ambientes preservados, favorecendo as condições para o estabelecimento da flora e fauna nativas e promovendo benefícios para o ecossistema e as comunidades locais.

A riqueza e a vulnerabilidade dos campos rupestres

Apesar de pouco conhecido, os campos rupestres possuem vegetação resiliente e resistente a variáveis como fogo, estação seca, grande amplitude térmica e disponibilidade de metais potencialmente tóxicos. “Esses campos são considerados um hotspot de biodiversidade, com alta taxa de espécies endêmicas e variações entre os diferentes topos de morro ou mesmo dentro de uma mesma área”, explica Alessandra Kozovits.

Os campos rupestres, paralelamente, sofrem intensa pressão de atividades de mineração, especialmente em regiões metalíferas, como o Quadrilátero Ferrífero em Minas Gerais. Essas atividades geram diferentes tipos de impacto, por exemplo, removendo vegetação, fauna e micro-organismos do solo e  alterando o sistema hidrogeológico. Uma análise realizada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) traz a perspectiva que, em 30 anos, os campos rupestres podem perder até 70% da sua biodiversidade por causa das ações humanas. 

Kozovits enfatiza um grande problema em projetos de recuperação de áreas degradas pela mineração: o uso de métodos não adequados para o estabelecimento das espécies nativas e a ausência de mudas de espécies nativas em viveiros comerciais.

“O ecossistema possui altíssima diversidade de espécies, principalmente herbáceas, que são plantas pequenas, rasteiras e que muitas vezes ocorrem sobre as rochas. Os poucos estudos publicados demonstram que são plantas de difícil cultivo, embora nossa equipe já tenha obtido sucesso na produção de mudas em escala experimental de cerca de uma dezena delas. Nesse sentido, alguns programas que buscam recuperar áreas degradadas pela mineração utilizam de protocolos já bem estabelecidos para outros ecossistemas, como a Mata Atlântica”, explica a professora.

O que acontece é o plantio de mudas de árvores que, com raras exceções, não são comuns nos campos rupestres. As mudas são plantadas em covas convencionais com adição de solo, fertilizantes, corretores de pH, entre outros manejos. “Esse método pode funcionar para áreas de Mata Atlântica, mas não é o adequado para os campos rupestres, especialmente após a mineração. Em geral, o que se vê tempos depois é a alta mortalidade das mudas, e baixíssima diversidade, além da entrada de espécies invasoras. As condições nas quais o ecossistema natural evoluiu ao longo de milhares de anos devem ser respeitadas para facilitar o desenvolvimento da vegetação nativa dos campos rupestres”, completa Kozovits.

Impactos das mudanças climáticas 

As mudanças climáticas representam um desafio adicional, principalmente para a vegetação adaptada ao clima sazonal e às condições de seca. No campo rupestre, a vegetação possui adaptações que lhe permite sobreviver aos longos períodos sem chuva, por exemplo, absorvendo a umidade e os nutrientes da neblina, fenômeno típico dessa região, que ajuda a abastecer a vegetação durante a estação seca. Contudo, com as mudanças climáticas, o padrão de distribuição de chuvas e formação de neblina pode variar, levando à extinção de espécies mais sensíveis e reduzindo a biodiversidade desses campos.

“A gente tem observado uma série de alterações no clima com períodos de seca mais extensos, temperaturas mais elevadas e chuvas concentradas e, com isso, existe a expectativa de que algumas espécies mais sensíveis a essas alterações venham a ser eliminadas no futuro. Por outro lado, outras espécies com maior habilidade para lidar com isso tendem a se tornar mais frequentes e dominantes, mostrando que a alta diversidade da vegetação nativa se reflete também na existência de um pool genético importante para a manutenção do ecossistema e sua habilidade para enfrentar as mudanças significativas do clima ao longo dos anos”, comenta a pesquisadora. 

As queimadas são outro problema. De acordo com Alessandra Kozovits, os campos rupestres são adaptados ao fogo de frequência e intensidade naturais, mas quando as queimadas se tornam mais frequentes e intensas, podem ultrapassar o limite de resiliência desse ecossistema. “Essas plantas evoluíram com a presença ocasional de fogo. A germinação de sementes e a floração de algumas espécies, inclusive, só ocorrem após a queimada, mas não conhecemos os efeitos das queimadas anuais sobre toda a biota. Esse excesso pode causar a extinção de espécies que dependem de períodos de regeneração mais longos entre uma queimada e outra”, explica.

Para a pesquisadora, a introdução de vegetação não nativa após incêndios ou em projetos de recuperação é outro fator problemático, pois essas plantas, muitas vezes, não estão adaptadas às condições dos campos rupestres. Além disso, gramíneas exóticas, como o capim-gordura, podem aumentar o risco de novas queimadas ao formar uma biomassa mais densa e mais inflamável. “A vegetação nativa é adaptada ao clima e ao solo ácido e metalífero dos campos rupestres ferruginosos, enquanto as espécies exóticas demandam cuidados maiores de cultivo e, em alguns casos, acabam facilitando as queimadas. Isso rompe com os serviços ecossistêmicos naturais e ameaça a biodiversidade local”.

Algumas espécies precisam do fogo para completar sua floração. (Créditos: Laboratório de Ecofisiologia Vegetal da Ufop)

Da preparação de mudas à restauração dos campos minerados

Com o apoio da FAPEMIG, a pesquisa liderada por Alessandra Kozovits traz uma abordagem focada na restauração dos campos rupestres após a mineração, respeitando as particularidades do solo e das espécies locais. “Recuperar uma área minerada é muito mais complexo do que regenerar áreas queimadas. Na mineração, a vegetação, os micro-organismos e o próprio solo são completamente removidos, deixando um horizonte inóspito que precisa ser reconstruído do zero”, relata a pesquisadora.

A pesquisa desenvolve-se em duas frentes: o desenvolvimento de métodos de recriação de condições físicas mínimas na área degradada para o estabelecimento das plantas e microrganismos nativos e a produção de mudas dessas espécies que futuramente possam abastecer o mercado. “Observamos essa necessidade porque a biota nativa é adaptada ao solo raso, pobre em nutrientes e com disponibilidade de metais potencialmente tóxicos, podendo instalar-se nas áreas degradadas pela mineração se as condições físicas do substrato forem minimamente melhoradas,” destaca. 

Segundo ela, a substituição por outras espécies que não evoluíram nas condições dos campos rupestres pode gerar grandes problemas no processo de recuperação da área degradada, como, por exemplo, exigir alta demanda por manejo de solo, irrigação e controle de invasoras e formigas, alta mortalidade de mudas, baixa diversidade funcional, interações com microrganismos ineficientes. 

“Os microrganismos nativos desempenham papéis relevantes na ciclagem dos nutrientes e auxiliam a vegetação a lidar com os metais no solo. Muitas vezes, espécies não nativas não conseguem lidar bem com a alta disponibilidade dos metais dos campos rupestres ferruginosos, apresentado restrições no crescimento, anomalias no sistema reprodutivo e na relação com polinizadores”, diz. Ela acrescenta que isso pode afetar inúmeros processos do ecossistema – por exemplo, a composição do mel produzido pelas abelhas da região, que teriam maior presença de certos metais. 

A fim de promover a regeneração dos solos minerados de forma mais amigável, estuda-se a preparação do campo com a criação de “rugosidades” na área minerada, possibilitando a retenção de sementes e de água. Outra técnica que se mostrou promissora é o uso do topsoil, uma camada do solo original que, se retirada antes do início da mineração e armazenada de maneira adequada, pode ser devolvida à área a ser recuperada sem necessidade de fertilização e correção de pH. Isso garante maior retenção de nutrientes em quantidades e balanços mais próximos do natural dos campos rupestres, matéria orgânica, e presença de sementes das espécies nativas armazenadas na camada superficial do solo, e aumenta a chance de estabelecimento de espécies nativas. 

“Em nossos experimentos, temos conseguido resultados promissores. Em área pós-minerada, sobre uma camada de cerca de 20 cm topsoil sem correção, fertilização, irrigação ou controle de pragas, o recrutamento do banco de sementes do solo e a chuva de sementes da atmosfera geraram o desenvolvimento de uma comunidade com mais de cem espécies de plantas nativas nos primeiros quatro anos. No início algumas espécies invasoras se instalaram nas parcelas, mas a própria dinâmica das populações se incumbiu de eliminá-las após dois ou três anos, o que é muito importante para a regeneração do campo rupestre”, afirma Kozovits.

Em sua outra frente de trabalho, a equipe testa a produção de mudas gramíneas nativas dos campos rupestres. A ideia é formar um “tapetinho” de gramíneas, uma estratégia que lembra o plantio de grama em placas, mas com espécies que naturalmente pertencem ao campo rupestre. Essas gramíneas são um componente importante da diversidade do ecossistema, e são resistentes à seca, crescendo no solo pobre em nutrientes e rico em metais. 

“Para esse processo, usamos um pouquinho do solo comercial, misturamos com o substrato retirado das áreas mineradas e colocamos as sementes das gramíneas. Até agora testamos nove espécies e três se mostraram promissoras, com altas taxas de germinação e formação de biomassa radicular e aérea. As mudas de uma das espécies já foram plantadas em área degradada pela mineração e apresentaram 100% de sobrevivência e concluíram o ciclo reprodutivo dentro do primeiro ano após o plantio”, conclui a pesquisadora. 

A pesquisa em andamento está testando, agora, o efeito das altas temperaturas e da redução da umidade, simulando alterações do clima, sobre a germinação e a produção das mudas e, posteriormente, sobre a sobrevivência e desenvolvimento em campo. Esses testes são importantes para a seleção das espécies e formas de cultivos mais adequados para gerar mudas mais resistentes ou resilientes às mudanças climáticas.

Fonte: FAPEMIG (Por: Bárbara Teixeira/ Ascom Fapemig)

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