
No início de 2025, a presidência da República sancionou a Lei 15.100/2025 que restringe o uso de celular nas escolas do ensino público e privado, com exceção ao uso estritamente pedagógico ou didático, conforme orientação dos profissionais de educação.
De acordo com a determinação, o objetivo é proteger a saúde mental, física e psíquica das crianças e adolescentes em consonância com o Relatório de Monitoramento Global da Educação 2023, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) que apontava para os prejuízos à concentração. A sanção movimentou o debate público acerca do impacto do uso excessivo do aparelho celular e das redes sociais para o desenvolvimento de jovens e adolescentes. Sobre tudo o desafio de associar as tecnologias ao ensino dentro das escolas.
Vulnerabilidade e vício
Segundo Marise Fagundes Silveira, especialista em saúde coletiva e integrante do grupo de pesquisa do diretório de grupos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) “Vigilância da Saúde” da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), a maior vulnerabilidade de pessoas mais jovens ao vício em internet pode ser explicada por uma combinação de fatores biológicos, psicológicos e sociais. Este fato coloca esta população no centro de pesquisas epidemiológicas que avaliam os fatores de risco e tendências de doenças.
Silveira coordenou o projeto de pesquisa Estudantes on-line: uso e dependência em internet coordenado que mediu o grau de envolvimento de estudantes do ensino médio e universitários do município de Montes Claros com a internet. Dentre os avaliados, 52,3% apresentaram problemas de adicção em internet.
A pesquisa, apoiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) e desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Unimontes, derivou a tese de doutorado de Alexandre Botelho Britto sob a orientação de Silveira. Foram entrevistados 2.519 jovens entre 2016 e 2017. Os resultados do estudo foram reunidos em artigo divulgado em 2023.
Os pesquisadores investigaram também os fatores demográficos, socioeconômicos, estilo de vida e perfil de uso de internet ligados a este vício. A adicção a internet foi observada entre entrevistados que tinham mais acesso às redes sociais e adicção à internet, especialmente, as estudantes do sexo feminino.
“Mulheres geralmente utilizam a internet com mais frequência para interações sociais, como redes sociais, mensagens instantâneas e fóruns online, que estão fortemente associadas a busca por conexão e validação emocional”, explica Silveira. A cultura das redes sociais muitas vezes reforça padrões irreais de beleza e comportamento, afetando mais as mulheres. “Essa pressão pode levar a um uso excessivo de plataformas como Instagram e TikTok, seja para consumo ou criação de conteúdo, na busca por validação”, correlaciona, Silveira.
Formação continuada
Se, por um lado, o uso excessivo de internet e redes sociais pode causar prejuízo aos estudantes e jovens, por outro, aliar-se a ela pode significar dar passos largos em direção ao aprendizado. Objetivo que deve ainda perpassar o desafio da formação continuada, segundo Simão Pedro Pinto Marinho, professor aposentado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e ex-líder do grupo de pesquisa do diretório de grupos do CNPq “Tecnologias Digitais em Educação”.
Marinho coordenou, com apoio da FAPEMIG, o projeto Internet, Web 2.0, aula e aprendizagem. Representações sociais de professores da Educação Básica que buscou compreender a visão de professoras da Educação Infantil sobre as possibilidades do uso da internet em sala de aula.
Os resultados foram publicados em um artigo em 2020 na Revista Ibero-Americana de estudos em educação. Participaram da pesquisa 46 profissionais professores, que lecionam nos segmentos da rede municipal urbana de Educação Infantil. Observou-se que 75% das entrevistadas não utilizavam o computador na sua prática pedagógica.
O pesquisador conta que à época as entrevistadas não conseguiam identificar outros potenciais de uso da internet na escola para além de tê-la como fonte de pesquisa – o corriqueiro hábito de pesquisar no Google. Para ele este é um desafio para a formação dos professores ainda nos dias de hoje. “A possibilidade de fazerem a transposição da experiência no mundo digital para o mundo da escola ainda se revelou reduzida”, compartilha Marinho.
“Para que os professores possam avançar no uso da internet, especialmente na incorporação das interfaces ou ferramentas da Web 2.0 em estratégias inovadoras de aprendizagem, assentadas na colaboração, e, em um significativo avanço, para que os estudantes expressem saberes construídos na escola, a formação continuada mais do que nunca será necessária. Infelizmente as licenciaturas ainda falham”, aponta Marinho.
Narrativas Digitais
Marinho defende que na educação contemporânea as tecnologias devem ser cada vez mais integradas ao processo de ensino e aprendizagem. São muitas as possibilidades a serem exploradas, uma delas é o digital storytelling, técnica que emprega o uso de ferramentas digitais para criar e contar histórias e estórias, combinando elementos como texto, imagens, áudio, vídeos e animações.
“Temos que convir que o homem, desde os primórdios, foi contador de histórias. Se antes elas eram contadas pelos mais velhos, ao pessoal da aldeia reunido à noite em torno de uma fogueira, com a internet e as ferramentas disponíveis, qualquer um de nós pode contar histórias para o mundo, para a aldeia global, a qualquer momento”, conta.
Para ele, ao estimular os alunos para a prática das narrativas digitais, a escola cria circunstâncias para a promoção de algumas habilidades que são tidas como essenciais na contemporaneidade: criatividade, colaboração, pensamento crítico e competência digital, na exploração e no uso de ferramentas e plataformas tecnológicas. “É fazer a escola da criação no lugar da escola da repetição”, defende. “Ao criar narrativas digitais, o estudante se torna autor; ao publicar on-line as narrativas dos alunos, a escola se mostra para o mundo”.
Fonte: FAPEMIG (Por: Júlia Rodrigues/ Ascom Fapemig)