| Em 28/08/2024

Ciência nas paraolimpíadas: estudos embasam preparação de paratletas

O esporte também é importante para a vida social, incentivando a recuperação física e emocional. (Créditos: Aline Cruz)

No dia 28 de agosto de 2024, Paris recebe os Jogos Paralímpicos. São competições em esportes variados que refletem o triunfo da resiliência humana. É importante notar que, por trás de cada atleta, há um vasto universo de especialistas que buscam aprimorar o desempenho e garantir a saúde dos competidores, priorizando estratégias e particularidades de cada deficiência. “A pesquisa científica tem um papel crucial na validação de métodos que podem ser aplicados no esporte paraolímpico, garantindo que os atletas tenham o melhor suporte possível e, consequente, melhor desempenho esportivo no alto rendimento,” afirma a pesquisadora Andressa Silva, professora coordenadora do Centro de Referência Paralímpico Brasileiro de Belo Horizonte do (CTE) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Andressa desenvolve pesquisas com atletas de várias modalidades paraolímpicas e descobriu no rugby de cadeira de rodas, esporte para pessoas com lesão medular, uma oportunidade para desenvolver trabalhos voltados à qualidade de vida de paratletas. Com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), e em parceria com pesquisadores do Centro de Treinamento Esportivo da UFMG, Centro de Estudos em Psicobiologia e Exercício (CEPE) e o Laboratório de Fisiologia do Exercício (LAFISE), a professora coordenou e desenvolveu estudos para analisar e desenvolver métodos que melhorem o desempenho de atletas tetraplégicos ou com mobilidade reduzida nos quatro membros.

Desafio físico-motor

Pessoas com lesões na medula espinhal possuem uma disfunção dos nervos que causa perda de controle muscular e de sensibilidade. Esse acometimento resulta, além da paralisia dos membros, em disfunções fisiológicas essenciais, como a regulação da temperatura corporal, o controle da pressão arterial e a função respiratória. De acordo com Aline Cruz, fisioterapeuta neurofuncional e mestre em Ciências do Esporte na UFMG, “o sistema nervoso autônomo e a regulação dos órgãos ficam comprometidos. O sistema nervoso parassimpático é preservado, mas o simpático fica abolido no caso de uma lesão medular completa na altura das vértebras cervicais”.

Esse fato significa que a função restauradora e de repouso indicada pelo sistema nervoso parassimpático está preservada, mas a função de estimular respostas imediatas do sistema simpático fica comprometida. Para atletas paralímpicos que convivem com essa condição, esses são desafios adicionais que exigem cuidados e estratégias personalizadas tanto no treinamento quanto na competição, conforme orienta o Comitê Paraolímpico Brasileiro.

Dessa forma, o treinamento desses atletas exige conhecimento multidisciplinar e especializado que auxilie não apenas na recuperação física, mas que também garanta que eles possam competir com segurança. Nesse sentido, os trabalhos coordenados por Andressa Silva buscaram entender os mecanismos de regulação da temperatura corporal e os padrões de sono desses paratletas para embasar as estratégias de treinamento.

Estratégias de resfriamento

Devido aos danos no sistema nervoso simpático, pessoas com tetraplegia têm limitações significativas na regulação da temperatura corporal durante momentos de frio ou calor. No caso dos atletas, o risco pode ser maior porque durante a realização de exercícios físicos ocorre a produção de calor, que associado ao ambiente quente, causa uma situação de estresse térmico que não é devidamente compensado pelo sistema termorregulatório do corpo. Por exemplo, nos jogos de rugby de cadeira de rodas, os atletas que são, em sua maioria, tetraplégicos, apresentam limitação relacionada à ausência da capacidade de suar ou de ajustar a circulação sanguínea em resposta ao calor. Isso pode levar a um aumento excessivo da temperatura (hipertermia). Esse foi o ponto de partida para as Andressa Silva e Ingrid Lôbo, doutora em Ciências do Esporte da UFMG, estudarem estratégias de resfriamento para manter esses atletas saudáveis.

O método de pulverição de água se assemelha à transpiração corporal. (Créditos: Arquivo Andressa Silva)

“Esta época em Paris está muito quente, então a nossa grande preocupação é: como, e até que ponto, as estratégias de resfriamento podem atenuar essa elevação da temperatura corporal, diminuindo o desconforto térmico em tetraplégicos?”, questiona a professora. O estudo conduzido pelas pesquisadoras explorou algumas estratégias de resfriamento já utilizadas atualmente, como o uso de coletes refrigerados e pulverizadores de água fria em aspectos fisiológicos (temperatura central e periférica) e em aspectos psicológicos (percepção de esforço e percepção térmica). “Nós queríamos entender se pulverizar a água no corpo ou pulverizar somente na cabeça poderia fazer diferença, ou também se um colete frio usado somente no tronco poderia amenizar esse desconforto”, explica Silva.

Os coletes refrigerados podem auxiliar na redução da temperatura corporal e na percepção térmica, favorecendo a manutenção do exercício físico de maneira segura. Já os pulverizadores de água fria atuam de forma similar à transpiração, promovendo a evaporação da água na pele para reduzir a temperatura corporal. Esses métodos são aplicados antes, durante e após os treinos e competições para garantir que os atletas possam competir com segurança, mesmo em condições adversas.

“Nesse estudo tivemos o objetivo de analisar os métodos e as respostas fisiológicas e perceptivas como a temperatura corporal, a frequência cardíaca e a percepção de esforço e percepção térmica antes, durante e depois da realização de um exercício aeróbico. […] Após as análises, a pulverização de água se mostrou mais promissora na regulação da temperatura corporal periférica, quando comparada ao uso do colete de resfriamento. E ambos os métodos de resfriamento foram eficazes nas variáveis de percepção de esforço e térmica”, destaca Ingrid Lôbo.

O efeito reparador do sono

O sono de tetraplégicos muitas vezes é prejudicado e a atividade física melhora essa situação. (Créditos: Arquivo Aline Cruz)

Um dos trabalhos coordenados também por Andressa Silva resultou em um recente artigo desenvolvido pela fisioterapeuta Aline Cruz. Denominado “Cardiac autonomic nervous activity during different sleep stages in individuals with spinal cord injury: The influence of physical training” (em tradução livre, “Atividade nervosa autônoma cardíaca durante diferentes estágios do sono em indivíduos com lesão medular: A influência do treinamento físico”), o artigo foi publicado pela revista internacional Sleep Medicine e discutiu sobre a influência da atividade física no padrão de sono de tetraplégicos.

As disfunções do sistema nervoso autônomo em lesados medulares também comprometem o sono e a sua função de restaurar a mente e o corpo. A proposta de Aline Cruz foi entender como o esporte poderia ser significativo na vida dessas pessoas. “Eu trabalhava em uma clínica com reabilitação imediata de lesões medulares, e muitos pacientes enfrentavam complicações como infecções recorrentes e distúrbios do sono. Quando eles começam a praticar esportes, como o rugby de cadeira de rodas, vemos uma mudança significativa em sua independência e qualidade de vida”, relata a fisioterapeuta.

A fisioterapeuta explica que o ponto de partida da pesquisa foi entender como funcionava a variabilidade da frequência cardíaca dos tetraplégicos durante o sono. Nesse sentido, ela trabalhou com dois grupos distintos, tetraplégicos sedentários e tetraplégicos atletas, para validar sua hipótese de que o funcionamento do coração nesses dois grupos é diferente. “Durante o sono, nós passamos por quatro estágios em que temos restauração tecidual e mental. Durante os três primeiros estágios, o nosso corpo se acalma e durante o quarto estágio, o sono REM, fase do sono com a função de restauração mental, temos uma grande ativação do sistema nervoso simpático. Então, como acontece no caso dos tetraplégicos, já que eles não possuem o funcionamento do sistema nervoso simpático?”, questiona Cruz, ressaltando que pesquisas relacionadas ao tema ainda são muito escassas.

A partir desse questionamento, a fisioterapeuta acompanhou os voluntários em diversos teste comparativos durante dois meses. “Observamos que o voluntário que praticava o esporte conseguia ter melhor modulação autônoma do coração durante o sono por causa da atividade física. O sono do paratleta é um pouco melhor do que o sono do tetraplégico sedentário”, explica. O esporte, nesses casos, estimula o coração a trabalhar mesmo em repouso.

Vários benefícios

Os benefícios da prática esportiva são muitos. As pesquisadoras destacam que o esporte também proporciona uma estrutura de apoio e um objetivo tangível para os atletas, incentivando a recuperação física e emocional. O envolvimento em esportes adaptados pode levar a melhorias na força muscular, na resistência e na coordenação motora, além de promover uma melhor saúde cardiovascular. Psicologicamente, a prática esportiva oferece uma sensação de propósito e de pertencimento, elementos essenciais para a reabilitação completa.

Aline Cruz explica que lesados medulares geralmente são pessoas que possuíam todos os movimentos do corpo e por algum acidente não conseguiriam mais. A reabilitação neurofuncional dura cerca de um ano e, após, a realização de algum esporte ou atividade física pode servir como uma extensão da terapia física, ajudando a melhorar a função motora e a promover uma maior autonomia entre pessoas com deficiências. A prática regular de esportes não só melhora a força e a resistência muscular, como também ajuda a prevenir complicações secundárias à paralisia, como contraturas e úlceras de pressão.

Fonte: FAPEMIG (Por: Bárbara Teixeira/ Ascom Fapemig)

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