
As decisões da Justiça podem tanto proteger quanto fragilizar o meio ambiente. No caso do Cerrado, um estudo da Universidade de Brasília (UnB), com apoio da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF), analisou como o Judiciário tem respondido às disputas ambientais envolvendo o segundo maior bioma do Brasil.
O projeto “Litigância ambiental nacionaleinternacional como meio para a conservaçãoe o uso sustentável dos recursos ambientais”,fomentado por meio do Edital Demanda Espontânea da FAPDF (2021), mapeou e analisou decisões judiciais nacionais e internacionais relacionadas à litigância ambiental, termo que se refere às disputas levadas ao Judiciário como objetivo de garantir a aplicação das normas de proteção ao meio ambiente — especialmente no Cerrado, uma das formações vegetais mais ricas e ameaçadas do país.
“O Cerrado espelha os problemas recorrentes da litigância ambiental nacional, mas também evidencia peculiaridades da região conectadas às atividades econômicas desempenhadas, como a agropecuária”, explica Carina Costa de Oliveira, coordenadora da pesquisa.
A análise identificou 171 ações judiciais, das quais 31 estavam diretamente relacionadas ao Cerrado. Embora o bioma tenha sido objeto de apenas 21,6% dos casos mapeados, o estudo evidencia a recorrência de questões jurídicas como: responsabilidade civil e penal por danos ambientais, ausência de regularização fundiária, uso irregular do solo, desmatamento em Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Unidades de Conservação (UCs), além da inexistência de estudos de impacto ambiental.
“A ausência de litígios sobre os usos múltiplos da água no Cerrado é preocupante. Estamos falando de uma imensa reserva de água doce, que sofre com escassez hídrica e conflitos de uso, especialmente na agropecuáriano Centro-oeste e Sudeste do país, observa a pesquisadora.
A partir da organização das decisões em uma base de dados própria, construída com critérios de representatividade e relevância, foi possível mensurar o grau de previsibilidade e segurança jurídica das decisões sobre o Cerrado, além de compará-las com julgados referentes a outros biomas, como a Amazônia e a Mata Atlântica.
“Ainda não há uma sistematização das decisões ambientais emblemáticas, e isso afeta a segurança jurídica e a coerência na aplicação dos princípios ambientais”, afirma Carina.
O estudo também aponta entraves à integração entre diferentes setores do poder público, a baixa aplicação de princípios jurídicos como o poluidor-pagador e o da precaução, e os obstáculos enfrentados por populações locais e comunidades tradicionais para acessar o sistema de Justiça.
“Apesar de já haver previsão legal para a realização de audiências públicas, sua efetividade ainda é limitada. Muitas vezes, o direito à participação das populações afetadas fica sujeito à conveniência e a pressões políticas de diversas formas”, critica.
Com enfoque nacional, o projeto também estabele ceconexões com iniciativas internacionais de pesquisa sobre litigância ambiental, incluindo análises comparativas com países como Colômbia, França e Chile. Uma nova etapa do estudo está em desenvolvimento, com foco na interface Norte-Sul em litígios climáticos, ampliando os debates sobre o papel do Judiciário na promoção da justiça ambiental.
Fonte: FAPDF (Por: Gabriela Pereira/ Ascom Fapdf)